sábado, 18 de setembro de 2010

Nostalgia

Eu sou jovem e ainda não vivi quase nada. Então eu não tenho nada do que sentir falta. Ou pelo menos não existe razão para que eu me apegue às coisas que vivi. Quase tudo é infância. Mas a criança não me abandonou, assim como o adulto não me convenceu de que é melhor sê-lo.

Eu me lembro, eu me lembro de coisas, que à altura não eram incríveis, mas que agora eu reconheço o quanto eu gostava. Porque a gente não sente falta apenas das coisas boas e toda coisa é boa quando olhada do futuro. Eu me lembro de um menino, que não era exatamente eu, das coisas que ele fazia e do que ele sentia. Ele brincava de boneco, mas a maior diversão que ele tinha era pegar os botões (botões de colocar em roupa), escolhia cada exemplar, respeitando tamanho e cor, e cada um deles era um personagem. Sem nenhum motivo, os botões eram mais reais que os bonecos, apesar da aparência humanoide destes. Eu me lembro de árvores, em cada casa que esse menino morou. Já viu pé de jaca (o pé de jaca que desmoronou), pé de manga, pé de acerola e de carambola. E no pé de carambola havia seus bichinhos favoritos: os soldadinhos.


Eu me lembro também que aquele menino não era exatamente um bom exemplar de sua espécie. E ele crescia, e tudo fazia muito sentido... tirando as coisas que não faziam sentido. Ele era feliz. Assim mesmo, a felicidade não tem muro de arrimo e por vezes se esfacela. Mas apesar dos desmoronamentos, a sua casinha  sempre era reconstruída, apesar de ficarem marcas eternas. Eu me lembro de sua primeira paixãozinha escolar, que por sua vez tinha uma paixãozinha pelo menino mais popular da escola. E como eu já disse, aquele menino que caçava soldadinhos não era o melhor exemplar de sua espécie. Depois, menos verde (eram tempos gloriosos para esse menino), teve outro amor, que mais uma vez tinha amor pelo menino mais popular. E veio o terceiro (que menino mais atrevido!), que não tinha outro amor em vista, mas mesmo assim se recusou a aceitar o dele. Ela disse uma frase boa: "Eu gosto de você, mas você não pode me proteger" Ele entendeu. Ele era feliz. Ele não estava ligando para essas bobagens. Mas o crescimento chega, sem pedir licença, e as coisas tomam uma importância que não têm. Era hora da razão. A hora de pensar. A hora em que a inteligência chegou ali. As coisas já não eram tão felizes, porque ele tinha o conhecimento para saber. E veio outro amor. Arrebatador! Interessante! Traumatizante! Deixemos de lado essa parte, porque dura até hoje e pode completar décadas...

Eu me lembro, muito antes do mal pegar o nosso menino de jeito, que havia uma criança ali. E ela via um anjo. Me lembro de uma farda escolar. Me lembro que era uma menina (se caso não fosse um anjo). Me lembro de cachinhos dourados, que deslizavam e eram lindos. Eu nunca acreditei na expressão dos anjos e santos em suas imagens, mas quando relembro daquele rostinho, eu sei que já presenciei algo divino. O que me faz lembrar de outro anjo (ou de outra garota de cachinhos dourados), da época do "você não pode me proteger", que sentou ao lado do menino no seu primeiro dia de aula, na 5ª série. Acho que aquele momento durou uma hora, se muito... mas garanto que cada pedacinho está na mente daquele menino, que já não é menino e que se transformou em mim. Mas como o menino tinha conseguido a vaga naquela escola por meios diferentes (não tinha vaga e deram um jeitinho), a diretora teve que reagrupar as turmas, e adivinhem o que ela fez? Claro, não deu outra, ela levou o anjo embora da turma que sempre fora dela. E como exemplo fraco de sua espécie, o menino não podia ir atrás dela. É, a sorte do nosso menino não é das melhores em se tratando de garotas. Nomes dos anjos: nem eu nem o menino conseguimos lembrar. Será que era o mesmo?

Eu me lembro de imagens, distorcidas a tal ponto que não sei se são verdadeiras. Mas se estão na mente dele, elas são reais. Eu me lembro que havia uma amiga... e um quintal... do vizinho... abandonado... houve uma invasão... do menino e sua amiga... mas havia coisas interessantes, cacarecos e brinquedos quebrados. Uma cena bonita, como os flashbacks de filmes. O menino, sua amiga e um ambiente divertido, com coisas novas a explorar. Há a imagem da queda na escola... dois garotos... nenhum deles é nosso menino... embora ele estivesse no mesmo ambiente... vejo uma mesa, e um pulo desta; um pulo duplo... um tentou segurar a lancheira, o outro não viu e pulou... mas segurava a mão do primeiro... havia um óculos, na face do menino da lancheira... eu me lembro de sua cara, que bateu com toda a força no chão... e me lembro do sangue que respingou em várias direções, como os raios de sol de um desenho infantil, e o sol, claro, era a cara do menino... Não há em minha memória nem da do menino o que aquela queda causou ao menino da lancheira depois, só me lembro da queda.

O vai e vem de memórias. Que lindo é ter um passado!, seja qual for. Eu volto para lá assim que posso e me revolto toda vez que vejo que não posso voltar. Ter saudade do passado não quer dizer que o presente é ruim e nem que o passado era tão bom. Passado e presente se unem, e formam quem você é. Toda nossa vida nos pertence e é direito da gente ter saudade da gente. E aquele menino era um lutador, e de todas as lutas, só perdeu uma, que deveria ter afetado sua inteligência, mas que, me arrisco a dizer, só a amplificou. Mesmo assim foi uma perda significativa, socialmente falando. Mas entre Mike Tyson e aquele menininho, ah, eu não duvido, nocaute e lona para Mike Tyson!

Segue a luta, segue o menino. E eu estou em eterna dúvida se sou eu ou o menino. Nem tão longe atrás na linha do tempo também existiram coisas das quais jamais vou esquecer. E o futuro... é coisa em que não penso! Penso, mas não penso em repensar. Se for para chorar sobre coisas que não sei se existirão, é melhor não chorar; o melhor é rever o que estou fazendo e sempre tentar melhorar. Eu vou chorar por você e não quero chorar por mim, e nem espero que você chore por mim. Chore por você e eu te ajudo a chorar, e se você chorar por mim, ah, com certeza eu vou chorar. Sou seu e estou com você, e eu espero que você esteja comigo e seja meu.

Por que eu falei em chorar? Por que eu falei em você? E quem é esse "você"? É você, que reside num lugar chamado coração. Acho que só estou rogando amor, pra ver se encontro um amor pra morar em meu coração... Não pode ser crime e nem deve fazer mal invocar amor.