quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

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My mind in rampage (Minha mente em rebuliço).

Hoje acordei meio confuso, sem saber o queria. Afinal, o que eu quero da vida?

Pensei em arranjar uma namorada. Mas para quê eu quero uma namorada se ela não me amar de verdade?

Então, depois de pensar um pouco, resolvi que ia arranjar uma "peguete". Mas de que me servirá isso se quando eu quiser alguém ela não estará lá?

Mas, para quê eu quero que alguém esteja lá, se, às vezes, eu vou mandar esse alguém se lascar?

Então, mais uma vez, repensei tudo de novo e mudei toda a minha visão. Agora eu quero arrumar um emprego que me dê muito dinheiro. Mas uma hora parei e pensei: "De que me adianta um emprego desses, se eu estiver o odiando?"

Mudei e disse para mim mesmo: "Vou jogar tudo pro alto. Quero só sombra e água fresca!" Mas de que vale tudo isso, se eu não poderei ter como sustentar o preço de um amor, e ainda por cima morrer de fome?

Eu quero a perfeição, sabendo que ela não existe. Eu quero um coração, mesmo sabendo que ninguém me dará. Eu quero a eternidade, sabendo que ela é um saco. Eu quero aquilo que eu quero mesmo sabendo que eu não sei o que eu quero. E quero querer um querer que nem sei se sei querer, e, acima de tudo, eu sei que quero todas as coisas que pode-se querer, e ao mesmo tempo eu quero porque quero não querer mais nada nem ninguém!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Homem - O avacalhador da Cadeia Alimentar.

Sabe aquela coisa bonitinha que aprendemos na escola?... Na verdade, não é nada bonito... é traumatizante. Lembrar, dá vontade de chorar...
Sabe aquela coisa cruel e revoltante que aprendemos na escola?... que o peixinho serve de alimento para o peixe maior, que serve de alimento ao tubarãozinho... que a grama serve de alimento para a vaquinha, que serve de alimento ao Homem?... Nos dizem isso como se fosse organizado assim, mas se prestarmos atenção, veremos que um desses seres gosta muito... DE AVACALHAR O NEGÓCIO!!!!!!!!














O Homem!
Percebeu? Aí nas fotos?
Os Homens desconstruíram toda a ideia de Cadeia Alimentar. Tão poderosos são, que roubam a comida que não deveria lhe pertencer. Hoje comemos, além da trivial carne... tudo o que dá para atravessar o Sistema Digestivo. Os tamanduás - coitados, não podem nem comer suas formigas em paz, porque nós também as queremos. As formigas, elas não têm a liberdade de capturar suas baratinhas e ir andando, vagarosa e ordenadamente, para os formigueiros. Por quê? Porque até isso NÓS COMEMOS! Ah, se os dinossauros ainda por aqui vivessem! A história seria bem outra.
Escorpiões, rãs, coelhos, lagartos e lagartas, cobras... Quem diria que eles precisariam ter medo de serem comidos pelos homens.
Enfim, isso não importa muito. Mas pensem comigo: Vocês confiam em seres que consomem tanto do mundo que o mundo não está dando conta e, que, quando tentam se reunir num lugar frio para discutir o Aquecimento Global, não conseguem chegar na óbvia conclusão: TEMOS SÓ QUE PARAR!!!???

Mas, se o mundo não acabar, aceita comer uns cogumelos em Copenhague? Eu pago...

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O detalhe das coisas...

O que não vemos claramente, as entrelinhas, quase sempre são desprezadas. De que interessa os detalhes no meio dessa grandiosidade que é a vida?

Os grandes problemas, as grandes sensações, as grandes maravilhas e as grandes desgraças...

Se qualquer grande coisa acontece em nossas vidas, as reações que temos têm que ser compatíveis? Se você disse "não", continue a ler. Se "sim", também, por favor.

Como explicar que pessoas aparentemente felizes caiam em grande depressão? E como explicar a felicidade transbordante de esperança de qualquer sofredor? São detalhes, que nos guiam e nos mostram saídas e buracos que não poderíamos supor que existissem. Não se conhece alguém olhando por onde costumamos olhar, não se visualiza bem uma questão sem antes considerar diversos aspectos, aspectos que não gostamos de olhar, ou não queremos acreditar, ou que apenas esquecemos.

O que as pessoas dizem aparentemente desleixadamente, no fundo, nos detalhes, são bem mais do podemos ver; a menos que sejam observados os detalhes. Onde estão os sentimentos que regem nossos atos? Nos detalhes.

É isso. Observe o mundo ao redor de si e tire suas conclusões; dois segundos depois, pense tudo de novo; e faça isso para sempre, que você terá um rascunho, um esboço... do que as coisas realmente significam.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Letícia

Meu nome é Letícia Mota e, como todo o mundo – ou quase todo o mundo – eu minto. Eu sei; isso não é coisa para se orgulhar. Mas o que posso fazer? Mentir é tão natural quanto respirar. E dizer a verdade, na maioria das vezes, dá muito trabalho. Por exemplo: eu encontrei um dia desses um antigo colega que eu não via há muito tempo, e ele meu perguntou se eu havia sentido saudades dele; eu disse que sim, e não precisei dizer mais nada; mas se eu tivesse sido autêntica com os meus sentimentos e tentasse dizer a verdade – que eu gostava muito dele, mas não a ponto de me sentir triste com sua ausência, eu iria me enrolar toda. Então, mentir no momento adequado é tão importante quanto dizer a verdade.

Eu considerei que o começo do meu texto estava muito bom, em parte porque finalmente, depois de uma semana de embromação, consegui escrever algumas linhas, e em parte porque eu estava atrasada e não iria mais escrever coisa nenhuma. O certo é que eu comecei, e seja lá onde isso vá dar, eu espero que esteja pronto na segunda-feira. – Ah, e só para constar, hoje é sexta-feira.
– Letícia, eu já estou ligando o carro! – Esse grito foi da minha mãe, que começou a gritar desde as 6:30. Não sei se é por causa da TPM, ou se é meramente pelo fato de ela ter que pegar no trabalho as 7:00; ter que me levar ao colégio, que fica a vinte minutos daqui; e ter todo o transtorno de voltar no tempo, para fazer o relógio da sala, que agora aponta para as 8:00, voltar a estar em 7:00 assim que ela entrar no trabalho, rumo a sua importante reunião.
Eu respondi, bocejando lindamente:
– Só um minuto.
– Eu só queria saber – ela começou dizendo, com aquela sua ironia de baixo nível que eu tanto odeio – quanto demora um minuto dentro do seu mundo? Porque no meu mundo, aquele mundo que te sustenta, eu serei demitida se decorrer apenas mais um minuto na sua conta muita louca!
Depois de perceber, quase nas entrelinhas, que fui chamada de alienada pela minha própria mãe, eu fiquei sem ter como argumentar. Enfiei na mochila os dois últimos livros a que faltava enfiar, e fui para o carro. No caminho, minha mãe enveredou em uma conversa sem interlocutor (o interlocutor deveria ser eu, se eu não estivesse com o pensamento à deriva); o assunto abordava uma filha de uma amiga dela que foi pega em atos libidinosos (eu espero que a minha mãe saiba que eu sei que a expressão “ato libidinoso” queria encobrir a palavra “sexo”, que, por alguma razão, ela me poupou de ouvir). Aí, eu pensei: se mentir é uma coisa tão errada, a gente não deveria fazer isso para nossas mães. Eu mesma mentir várias vezes para a minha, e continuo a mentir. Na verdade, eu não minto; eu apenas me esqueço de mencionar certos detalhes. Detalhes do tipo: eu bati com o seu carro enquanto arriscava umas voltinhas pelas proximidades... eu viajei para a Argentina quando eu disse que fui dormir dois dias na casa da minha amiga... eu não sou mais virgem, e já fiz “atos libidinosos” sem proteção.
– É um absurdo! – lá ia ela dizendo. – Ela tinha acabado de fazer quinze anos, e já pensava em... – rolou uma pausa dramática – ...fornicar.
Eu nada respondi. Mas não pude deixar de pensar que desta vez ela tinha se superado ao tentar não utilizar as palavras usuais:
Fornicar. Meu Deus! Eu não escuto essa palavra desde que... desde que minha avó era viva e começava a falar mal das mulheres de hoje em dia.
Depois disto, eu dei graças a Deus que a carona havia chegado ao fim, e que eu não iria escutar mais nada. Desci do carro e, como sempre, minha mãe me alertou:
– Não vá fazer nada que a minha mente direitista não consiga conceber, e nunca – em hipótese alguma, se meta em situações que a deixe vulnerável a cometer besteiras.
– Certo, mãe – eu respondi, sem muita animação. – E me desculpa por atrasar a senhora, mais uma vez.
E ela esforçou-se em se esticar lá do seu banco, para chegar ao banco do passageiro, e me dar um beijo no rosto. Então eu me virei, muito embaraçada, para o lado da escola. Era incrível como minha mãe nunca se tocava; eu já tinha 16 anos. Ninguém bom da cabeça deveria beijar seus filhos bem na frente de todo o colégio; ainda mais em um colégio em que eu não era a pessoa mais popular, digamos assim. Quando se é bonita, como (modéstia à parte) eu sou, você certamente é muito popular entre os garotos. E se você dá atenção aos garotos (assim como eu faço), isso gera o ódio das garotas. E como são justamente as garotas que decidem quem será popular ou não, eu me considero impopular.
Eu já estava na sala de aula, esperando pela aula do professor Soares, quando Felipe, meu namorado, chegou ali (na verdade eu não sei se ainda estamos namorando). Ele olhou para mim bastante sério, o que só poderia indicar duas coisas: ou ele tinha descoberto tudo e ia terminar o namoro, ou ele tinha descoberto tudo e me perdoaria. No fim, tanto faz; os homens sempre parecem bravos a principio. Mas aí a gente joga um charme, conta uma mentirinha aqui e ali, ajusta tudo, e pronto.
– É, ou não é? – ele me perguntou sussurrando.
– Se você me disser primeiro o que significa “é”, e o que significa “não é”, talvez eu possa dar uma resposta satisfatória.
– É verdade? – ele voltou a perguntar, com muita discrição.
– Hum... – fingi estar pensando. – Depende de qual é a mentira. Se você não apresentar fatos, como é que eu posso saber se algo é verdade ou não.
– Você sabe aonde eu quero chegar!
– Bom... pelo que vejo, você quer me acusar de algo. E até onde sei, um advogado não consegue elaborar uma defesa sem antes saber do que estão acusando o réu. E mesmo um juiz não pode condenar alguém se não houver acusações. O que você quer? Que eu fale todas as verdades e todas as inverdades até que se atinja o ponto que você quer?
– Não brinca comigo, Letícia! – ele disse, abrindo mão de sua antiga compostura (Por que os homens nunca gostam de jogar nossos jogos de detectar quem está bancando o imbecil? Será que é por que eles sempre saem como imbecis no fim?) – Pare de ser infantil, e me diga se você me traiu ou não.
Agora foi a minha vez de usar sussurros:
– Você não confia em mim? É claro que eu não traí. – Agora eu tinha que dizer as palavras que me colocariam em melhor situação. – E se você vai continuar acreditando em tudo aquilo que ouve, é melhor parar por aqui mesmo.
– E como você explica...
Eu estava pronta para responder o que quer que fosse, mas o meu professor e a sua careca reluzente chegaram por ali, e interromperam tudo. Ele fez uma daquelas piadas que só os professores têm a capacidade de fazer:
– Se esse casalzinho aí não fizer objeções quanto ao início da aula, eu poderia me sentar, e talvez pudéssemos começar o aprendizado. Mas se quiserem um curso intensivo de como ignorar o professor, não serei eu que irei me sentar. Se esse for o caso... deixem por conta da senhorita Letícia e do senhor...
Felipe foi embora, não sem antes me lançar um olhar de desapontamento. Antes de começar a aula, o professor Soares aproveitou para me perguntar se eu já havia chegado, pelo menos, à metade do meu texto, e eu, muito sucinta, respondi: “Com certeza, professor.” E o resto da aula transcorreu muito bem.

Mais tarde, no pátio, eu olhava quietinha lá do meu canto para alguns pombos que acabaram de aterrissar. Foi engraçado. Aquilo me trouxe umas lembranças estranhas, mas eu nem me lembrava que pombos tinham, alguma vez, feito parte da minha vida. Talvez seja bobagem minha, mas, às vezes, nos atemos a coisas que consideramos simples e vulgar, mas que nos leva a recantos prazerosos em nossas mentes. Bem, tudo isso se desfez, pois Felipe vinha até mim, e gostei de ver que sua feição mudara; agora carregava um sorriso, e embora fosse um sorriso triste, me fez acreditar que tudo iria ficar bem. Ele sentou-se ao meu lado.
– Não aconteceu nada entre mim e o Rodrigo – eu disse com um sorriso simplório.
Isso era mentira. Nós tínhamos ficado um dia inteiro juntos, e enquanto eu estava com ele, não pensei no Felipe um momento sequer. Não passamos do beijo, porque eu não tive coragem de ir mais além, mas, de qualquer jeito, isso não estava certo. Eu não sei o que acontecerá de agora em diante; sei apenas que não posso contar nada ao Felipe, ou tudo vai piorar para mim. Alguns podem chamar isso de egoísmo, e deve ser mesmo, mas acho que o ditado “É melhor um pássaro na mão do que dois voando” não se aplica a mim; eu sempre quis todos os pássaros a minha disposição sempre que eu precisasse.
– Tudo bem, tudo bem; esquece isso. – Nos beijamos por um longo tempo, e eu fiquei super feliz que a coisa se ajeitou.

Eu estava ali, na minha escrivaninha, debruçada sob o meu caderno. Nenhuma idéia me ocorreu, e eu já estava lá há algum tempo. Ouvi passos vindo na direção do meu quarto, e segundos depois, minha mãe abriu a porta. Ela me fitou com um olhar tipicamente materno; um olhar de estima e orgulho, que nos diz que nunca ficaremos sozinhos, e que sempre exala algum tipo de cumplicidade, mesmo que (e é o nosso caso) não exista tanta cumplicidade assim.
– Já jantou? – ela perguntou; havia uma estranheza em seu olhar, que transcendia o simples olhar materno. Era um olhar que eu não sabia interpretar, tal sua inovação e mistério.
– Sim – eu disse, e não pretendia dizer mais nada. Mas achei, segundos depois, que eu deveria acrescentar algo. – Quando eu terminar de escrever umas coisas aqui, eu desço até a sala, tudo bem?
– Está bem. Agora eu vou procurar algo no fundo da geladeira para comer; estou morrendo de fome.
Ela distanciou-se e, tendo chegado à porta, soltou um beijinho para mim. Eu sorri e retribuí; muito sem jeito, admito. De repente, voltei a refletir sobre o assunto mentira, e para que fins a usamos:
Por que eu não menti quando fui perguntada se já jantei?, pensei eu. E era óbvio: porque eu não tinha necessidade. Responder àquilo não ia fazer diferença; não ia me colocar em risco; não tinha importância para ninguém. Então...
Peguei o lápis e recomecei a escrever.

Mentir é, antes de tudo, uma tentativa de esconder algo. Não mentimos simplesmente por que mentir é um hábito divertido. Não. Mentimos para que as coisas fiquem sob controle, para que o que está em volta se torne mais macio para nós. Quando paramos para pensar sobre o ato de mentir, quase sempre chegamos à impensada conclusão de que é muito cruel fazer isso. Pode ser; mas, além disso, mentir é uma forma de se proteger, se proteger dos nossos defeitos. Ilusória perfeição. É isso o que queremos passar, na maioria das vezes, quando mentimos.
Ao mentir, perdemos um pouco de nós mesmos. Pois precisamos que os outros nos entendam um pouco, para que possamos entender melhor quem somos. E esse é todo o problema de quem é mentiroso. As pessoas não as vêem. Essa é a intenção; mas, mesmo assim, ao longo do tempo, essa invisibilidade se torna um saco.

Escrever isso não tinha me feito muito bem. Talvez eu tenha entrado fundo demais nas minhas verdades ao ter que entender minhas mentiras, e com isso fiquei com uma idéia ruim de mim mesma. É o que acontece quando se pára para analisar rigorosamente a si mesmo; pois, a bem da verdade, se entender por completo é um processo arriscado e, por vezes, doloroso. Diante de tudo isso, abandonei tudo (pelo menos por hoje) e me deitei na cama.
Cerca de trinta minutos mais tarde, minha mãe chegou de mansinho no quarto e deitou-se ao meu lado na cama. Eu não estava dormindo, mas continuei sem me mexer. Pensei em perguntar se havia acontecido algum problema, e, outra vez, fui incapaz de estabelecer contato. Então, deixei o tempo correr. E fiquei surpreendida ao me sentir envolta em um abraço, e mais surpreendida fiquei ao receber um cafuné, que me levou por uns instantes de volta a infância. Foi ótimo, principalmente porque não existia ninguém para testemunhar aquilo. Naquele momento, meio que voltamos a ser mãe e filha de fato, sem mais empecilhos.
– Eles crescem, ganham vontade própria... – ela murmurou, tendo passado uns minutos. – E não mais que de repente, rechaçam-se ao sentimento materno, pois já se acham independentes demais, já se acham bem-resolvidos demais. – Com um suspiro, a frase acabou.
Eu não sabia dizer se minha conseguiu notar que eu não estava dormindo, ou se foi pura coincidência. Mas, em todo o caso, seu comentário soou como aviso. E então eu pude solucionar o significado daquele olhar: era um olhar carente da minha proximidade; e me fez sentir o quanto eu vivia sozinha dentro de mim. Se eu não deixava que a minha mãe invadisse meu espaço, eu adquiri a certeza de que não iria deixar qualquer outra pessoa o invadir tão facilmente. Isso pode não ter lá muita lógica, se pensar que as pessoas realmente não se sentem bem ao declarar certas coisas a própria mãe; mas o fato é que eu achava que tinha uma ótima relação com a minha, apesar de a toda hora esquecer-me de mencionar aqueles detalhes. E se fosse diferente? E se eu a considerasse como uma confidente? Seria, no mínimo, muito útil. Mas não era assim.
Esses questionamentos caíram por terra, pois parece que as mãos das mães são mágicas e nos faz sentir um sono profundo; isso deve estar ligado ao desejo delas de terem os filhos dormindo, pois enquanto estão dormindo, nada de muito grave acontecerá. Eu adormeci e o dia terminou.

Acho que as coisas mais marcantes da minha vida aconteceram num sábado... o primeiro beijo... começos de namoro... términos de namoro... algumas notícias felizes... e... minha iniciação sexual. Então o sábado é o melhor dia da semana, certo? Eu tenho milhões de motivos para amar os sábados; mas não esse sábado. Eu passei metade dele enfurnada no meu quarto, sem fazer nada aproveitável; apenas pensando na vida, preguiçosamente. E nesse aspecto, os quartos são sempre ótimos. O quarto (principalmente o quarto de uma garota) é um templo sagrado; lugar onde tudo tem que correr ao nosso modo; uma fortaleza onde poucos aventureiros têm a audácia de pisar...
– Olha, eu estou entrando – minha mãe disse ao invadir o quarto. – E se estiver nua, não se preocupe; além de eu ser mulher, você não tem nada aí que eu já não tenha dado uma boa olhada.
Bom, pelo menos devia ser.
– Seu pai no telefone – ela disse, quase me jogando o celular na cara.
Eu atendi:
– Oi pai.
Tudo bem com você?
– Tudo sim.
Anda muito ocupada, é? Faz semanas que não vem me ver. Quer que eu vá te buscar? A gente pode sair para algum lugar. Naquele esquema paternal que você adora; você escolhe, eu pago tudo. Que tal, hein?
– É que... – não resisti, e comecei a rir. – É que tenho que terminar um trabalho da escola. Adoro esse esquema rentável, mas não posso.
Tudo bem, então. E como você está indo na escola? Notas altas?
– Digamos que eu não estou jogando fora o seu dinheiro...
Certo, ele disse, com um sorriso desconfiado. Agora tenho que desligar. Tchau, filha; beijos.
– Tchau.
Embora seja, nos dias de hoje, muito comum ter pais separados, eu ainda achava isso estranho. Quando os meus pais se separaram, eu não tinha idade suficiente para compreender o significado disso, de modo que não me recordo o que isso me causou. Mas agora, tendo capacidade de analisar a situação, eu fico com a sensação que meu pai não representa um pai de verdade; mais parece um tio distante, que de vez em quando encontra a sobrinha e a enche de mimos. Mas, por incrível que pareça, ele consegue tirar de mim mais informações do que mãe consegue. Talvez por existir essa distância, talvez seja por ele ser mais talentoso mesmo; ou talvez seja pelo fato de ele falar muito, e com isso acabe me vencendo pelo cansaço.
Minha mãe pegou de volta o celular. E então parou no tempo, ponderou durante segundos, e disse:
– Tem alguma coisa que queira me contar? – em seu olhar havia um quê de irritação.
– Ah, não sei. Acho que não.
– Hum! Certo. – Ela deu meia-volta, balançou o celular nas mãos, e partiu.
– Mãe! – eu a interceptei. Levantei da cama e fui até onde ela estava, perto da porta. – Aconteceu algum problema? Foi o seu trabalho? Eles não lhe demitiram não, não é?
– Aconteceu que eu criei uma filha com todo carinho do mundo, dei tudo do bom e do melhor, e ela, com todo o seu egoísmo, não confia em mim! É simplesmente esse o meu problema!
Eu fiquei furiosa porque, de repente, sem nenhum tipo de preparo, ela me jogou isso na cara. E respondi de uma maneira imbecil, mas foi tudo o que me veio à mente:
– Sabe do que a senhora precisa? De um namorado. Só assim ia parar de me encher o saco!
– Não fale assim comigo, mocinha! – Ela pareceu reavaliar o tom que iria utilizar. Fez um sorrisinho de sabedoria, e prosseguiu: – Quem disse que eu não tenho um namorado, hum?
– Bom... eu nunca vi.
– Pelo que me consta – ela recomeçou a falar; desta vez sim, muito irritada – você nunca trouxe aqui esse tal de Felipe! Também nunca me contou sobre a viagem que fez para a Argentina com seus amigos muito suspeitos. – Impulsionada pela TPM, ela avançou. – E muito menos, sequer tencionou me contar minimamente como havia sido a sua primeira relação sexual no sofá da minha casa!
Não, isso não podia estar acontecendo. Que coisa mais surreal era essa? Esses eram os meus maiores segredos, e ela conhecia todos eles. Durante todo esse tempo eu pensei que era a única detentora de mim mesma, mas não era.
– Como é que a senhora sabia? – eu perguntei, sem ter mais o que fazer naquele momento.
– Sou sua mãe, e isso já basta para que você não possa esconder nada de mim.
Eu pensei em dizer algo, olhei para ela, que agora estava sentada ao meu lado, na cama. Tive a impressão que ela chorava, ou ao menos os seus olhos lacrimejavam, mas não me importava; eu estava perplexa, e só pensava em mim. Então, percebendo que não estava nem um pouco disposta a encará-la, pedi para que se retirasse do meu quarto. Ela acatou, e me deixou sozinha.
Uma mentirosa muito desajeitada eu devo ser, pensei, para achar que mentia, enquanto tudo estava, no fundo, muito às claras. Que burrice!
Passado um tempo, que serviu para que eu reavaliasse os acontecimentos, e que me mostrou que aquilo, afinal, não era o fim do mundo, minha mãe voltou ao quarto. Ela disse que entendia o porquê de todas as minhas omissões, e que também eu não precisava contar tudo a todo mundo. Até aí estava tudo maravilhoso. Mas claro que haveria um “porém” depois disso.
– Porém, sempre tem que existir alguém que nos sirva de receptáculo de segredos, e, pelo que sei, você não tem esse alguém. Eu tenho tentado ser esse alguém, mas você nunca me deixou chegar muito perto. Gostaria que isso mudasse.
– É tão estranho – comecei a expressar. – Eu também gostaria que a senhora fosse... meu receptáculo. Mas não consigo me aproximar também.
– Então, a partir de agora, vamos corrigir nossos modos de fazer essa tentativa. Não deve ser tão difícil, não é? Poxa, moramos na mesma casa. Não é possível que não consigamos manter um bom relacionamento. – Ela me abraçou, e foi estranho. Mas me fez perceber que não permaneceria estranho por muito mais tempo.
Assim, meu sábado, que já havia começado vagaroso, terminou numa monotonia só. No domingo, eu e minha mãe nos evitamos; ou seja, não tocamos no assunto, e nem em qualquer outro. Acho que foi uma tentativa da parte dela para me fazer refletir, e até certo ponto, funcionou; pois, sozinha, cheguei a algumas conclusões benéficas. Com o espaço que tive, pude reavaliar uma porção de coisas, e pensar em mudar alguns de meus ludibriosos hábitos. Dessa forma, a segunda-feira se iniciou mais uma vez.
Eu ainda não tinha completado o meu texto. Ia tentando finalizá-lo no caminho para o colégio, mas nenhuma idéia suficientemente boa veio até minha cabeça. Minha mãe me deixou no colégio, e enquanto a primeira aula (de História) não começava, fiquei sentada num dos bancos do pátio, tentando, sem muito sucesso, escrever mais umas linhas, mesmo que fosse apenas para aumentar o tamanho do texto.
Felipe sentou ao meu lado, de repente; exibia aquele mesmo olhar sério de sexta-feira, mas acompanhando a essa seriedade, havia uma determinação ali. Coisa que me assustou profundamente.
– Sabe, Letícia – ele disse, com a mais fria das expressões –; eu andei pensando, e cheguei a conclusão de que o pior de tudo nem é você ser essa mentirosa que é. O pior de tudo é você pensar que sempre vai conseguir enganar as pessoas.
– Do que está falando?
– Qual é o critério que você usa? O do “quanto menos você souber, melhor?” Cansei de ser idiota! Se você quer ficar jogando os seus joguinhos, continue, e eu acredito que alguém vá jogar com você, mas infelizmente eu nunca mais vou fazer parte dele de novo. Seja a grande vencedora que é. – Ele deixou o banco, e se afastou de mim. – Cresce, garota.
– Seja lá o que foi que você ouviu...
– Pára de mentir, Letícia! – ele gritou, não conseguindo guardar a raiva dentro de si. – E não é só para poupar as pessoas que convivem com você. É também para você não sofrer com a farsa que é para si mesma.
E assim terminou meu namoro, e, por conseguinte, minha curta vida sexual. Nem bem tinha começado a sentir esses novos desejos, e já me perdi por não saber controlá-los.
– Não pude deixar de escutar sua conversa, e...
– Sai daqui, Rodrigo! – expulsei-o. Eu não quero mais nada; não quero mais nem o Felipe nem o Rodrigo; não quero mais pensar em sexo, por enquanto. Irei recomeçar a minha adolescência do zero.
Toda essa confusão, por algum motivo, me inspirou, e escrevi o resto do meu discurso, que seria apresentado na última aula de hoje.

Respirei fundo, olhei mais uma vez para o auditório formado pelos meus colegas de classe, e continuei a última parte do discurso:
– Minha relação com a mentira é confusa, assim como é confusa todas as relações com coisas que nos são muito próximas. O que aprendi com a mentira é que ela não é assim tão natural como eu disse anteriormente. Ela tem que ser pensada, pesada, e usada em momentos oportunos. A mentira parece ser controlável, mas às vezes não sabemos até que ponto a estamos sustentando. Por exemplo: eu pensei ter escondido muito bem para a minha mãe que viajei para a Argentina, até que eu descobri que ela sempre soube. E isso me tirou toda a segurança. Então, minhas conclusões sobre a mentira são que: a mentira é uma artimanha louvável, mas é uma arriscada escolha, que nos leva a cometer atos corajosos, mas que, lá no fundo, não faz nada bem a nossas almas.
Aplaudiram, e eu acho que isso vai me render talvez uma nota 8.

A conversa entre eu e minha mãe esfriou na hora do jantar. Então, uma curiosidade me bateu, e perguntei:
– A senhora sabia sobre o carro também?
– Que carro, Letícia? – Ela levantou abruptamente. Parecia que eu tinha tocado num ponto fraco dela.
– Que carro, mãe? Não sei do que está falando... – tentei desconversar.
– Espere aí... – ela disse muito calmamente; mas depois adquiriu uma raiva que só podia ser proveniente da sua TPM. – Foi você quem amassou a traseira do meu carro, e teve a cara-de-pau de dizer que eu, provavelmente, tinha esbarrado em algum outro carro no sinal, sem perceber? Eu não acredito! Você é um monstro, Letícia!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

As Vozes da Mente

Quantas alternativas nossas mentes oferecem? E dessas alternativas, quais iremos escolher para obter aquilo que desejamos? Todo mundo é capaz de imaginar todo o tipo de coisa, e algumas pessoas vão adiante, assim obedecendo aos mandamentos incontroláveis que criamos dentro de nossas cabeças: os mandamentos do desejo. Mas o que vai determinar o quanto abriremos de espaço para que nossas cobiçosas vozes internas apontem a direção, depende apenas do quanto queremos a direção apontada, e de quanta coragem teremos para nos deixarmos levar por elas, aceitando assim todas as suas conseqüências. A verdade é que, o que vai diferenciar uma pessoa da outra, são somente as alternativas que elas vão ou não seguir. Pois, na essência, somos todos os mesmos, lutando, da melhor maneira que encontramos, para ter nossos desejos saciados.

Uma voz na mente de David Deeper disse-lhe para proceder sem hostilidades. Uma segunda voz tentava convencê-lo a pular de sua cadeira, com toda a ira, e quebrar o pescoço da vítima. A terceira voz, que parecia ser derivada de um acordo entre as duas primeiras, ordenou-o que batesse na mesa raivosamente, só para ver que reação isso iria causar – e assim o fez. Um barulho metálico soou, repercutindo por toda a sala de interrogatórios.
– Isto não o ajuda – disse Susana Mendes, detetive da polícia. – Você andou afirmando que escuta algumas vozes dentro de sua cabeça? Hum... certo. Mas você espera mesmo que isso sirva como pretexto para ter estuprado e matado Catherine Camel?
– Eu não fiz nada! – David gritou. – Será que vocês não entendem isso?!
– Está sendo repetitivo. Você foi encontrado no local do crime; suas digitais foram encontradas na faca; marcas de unhas, que eram suas, estavam nas costas da vítima; amostras do seu sêmen foram obtidas. Ou você arranja uma brilhante e engenhosa fábula para me convencer, ou vou ser obrigada a continuar achando que foi você quem matou aquela moça!
David baixou a cabeça, e nada disse. A julgar pelas horas sem nenhum tipo de avanço no caso, a detetive começou a cogitar a hipótese de que ele estivesse falando a verdade. Mas não podia ser; todas as evidências iam ao seu encontro.
– Vamos Deeper, colabore – incentivou Susana, buscando em seus olhos caídos uma resposta. – Ou suas três vozes não o deixam que fale.
– Eu não sei explicar a respeito dessas vozes – começou a falar baixinho o suspeito; seu olhar ainda alheio –, mas posso assegurar que não matei a Catherine; eu a amava!
– O que não quer dizer muita coisa...
– Acredite em mim... – disse com desânimo, entregue a fadiga. – Ninguém, ninguém nessa porcaria de polícia investigou direito? Não há outros suspeitos?
– Foi você. Só me diga e facilite tudo; para nós dois.
David se levantou ameaçadoramente, deu nova batida na mesa, e abriu a garganta o mais que pôde para gritar, numa voz rascante e tonitruante, que pareceu a Susana uma voz demoníaca: “Não fui eu!”. E para disfarçar o medo que a atingiu, ela encarou-lhe com ares de superior, mas na verdade tremia dos pés a cabeça. Ergueu-se e, antes de escapar da sala, disse:
– Se pensar bem a respeito, vai optar por me contar.
E David, mais uma vez, ficou sozinho na minúscula e opressiva sala de interrogatórios, junto às luzes tão ofuscantes e quentes que fazia sua mente fervilhar. Recordando às confusas sucessões de acontecimentos dos últimos dias, foi difícil encontrar lógica para explicar qualquer coisa. Mas não teve muito tempo para ficar realmente sozinho, pois logo vieram às vozes para servirem de companhia. Uma dizia para que ele se mantivesse calmo. A segunda, controladora e impulsiva, exigia que ele tomasse alguma atitude e recobrasse as rédeas da situação para si, mesmo que para isso se valesse de métodos cruéis. Já a terceira, conciliadora e fria, mandava para ele idéias, invenções e armações que capacitasse sua saída dali, sem precisar usar da brutalidade da segunda e nem da passividade da primeira.

Como sempre, o jovem David Deeper podia ser encontrado ali, deitado sob o gramado em frente à garagem da casa, escutando suas músicas melancólicas num fone de ouvidos. O céu estava em seu melhor tom: o alaranjado faiscante do pôr-do-sol, que se despendia por detrás do horizonte. Pensava, e esse pensamento era-lhe bastante recorrente, em montar estratégias que trouxesse a inacessível (pelos menos a ele) Catherine Camel para mais perto do seu mundo. Eles mantinham contatos quase que diários, ao se cruzarem pela rua, mas eram contatos de extrema casualidade. Nos últimos tempos mal trocavam cumprimentos, e nas vezes em que ela se aproximava, mostrando algum interesse, ainda que mínimo, David mal articulava um “oi”. Conhecia-a há três anos, e nunca deixou de nutrir esse amor mordaz, nem mesmo refreado ao constatar que ela migrava de namorado em namorado, e que jamais seria o próximo. Houve tempos, tempos incríveis, em que conseguiam sustentar uma conversa de meia hora, e permaneciam nesse ritmo talvez por uma semana. Mas o problema, concluía David mais tarde, estava na constância; ao manterem contato por um tempo, ele conseguia, mesmo que a duras penas, prendê-la e envolvê-la em seus assuntos; mas se ficassem sem se ver durante dias, ele perdia o prumo e, conseqüentemente, afastava-a de novo.
Certa vez, eles trocaram e-mails, nos quais David descrevera com brilhantismo o que sentia; entretanto, os resultados foram infrutíferos. No último e-mail, ela respondeu com gentileza que gostava que ele demonstrasse seus sentimentos (e David pensou que isso era óbvio. Pois quem é que, em sã consciência, odeia quando alguém diz que as ama?), e disse qualquer coisa muito furtiva, que nem soou como desdém nem muito menos lhe deu esperanças; foi um meio-termo que o deixou triunfante a principio, mas que ao longo do tempo virou tortura. Ela nem o maltratava, e assim acabava com aqueles sentimentos de uma vez por todas, nem o dizia, ao menos, que se tentassem, podia acontecer um relacionamento. E isso, David pensou algumas vezes, era o pior de tudo. Teve também a estratégia da mensagem de celular anônima, com o intuito de conquistá-la de tal modo, que quando chegasse a hora da revelação, ela não pudesse recusar o seu amor. Mas essa estratégia só resistiu à primeira parte; assim que enviou a primeira mensagem, achou que aquilo era uma atitude vil, e por medo de ganhar seu eterno ódio, tirou essa idéia da cabeça.
O plano atual era escrever uma carta, uma derradeira carta, que iria conter todos os seus mais obscuros pensamentos e sentimentos a respeito de Catherine. E então estava matutando como iria fazer isso, visto que nem ele próprio entendia sobre aquilo que sentia. Foi aí que entrou em uma grande angústia, e começou a se maldizer por ser tão passivo, tão retraído, por ser um idiota, que na verdade não merecia Catherine Camel, e nem nenhuma outra garota. E começou a se afundar dentro do seu desespero, até chegar a recantos desconhecidos em sua mente. Sentiu um desejo destrutivo, um desejo macabro, um desejo visceral de que tudo se danasse, de que tudo se exterminasse para sempre. Todo o seu corpo começou a tremelicar, e logo se contorcia em espasmos convulsivos. Seus olhos se reviravam nas órbitas, e tudo se apagou, bem como queria.

– Ele é tão jovem – Susana Mendes disse num suspiro; mantinha as mãos sobre o espelho de observação. – É incrível que tenha estragado sua vida por uma garota. Será possível que não tenha sido ele? – Ela parou de contemplá-lo, e se dirigiu a dois homens que estavam na saleta. – As vozes... ele pode estar louco.
– O que aconteceu, detetive Susana? – disse maliciosamente o tenente Kevin Dutra, um dos homens que estavam na sala. – Ficou sensibilizada com o garoto ou o grito que ele deu te assustou tanto que mexeu com suas percepções? Três vozes, hein? Mas Freud explica. Já ouviu falar em ego, superego e id...?
– Se vai continuar a bancar o engraçado, achando que isso melhora alguma coisa; com todo o respeito, tenente, eu dispenso.
– Bom, senhores – disse o segundo homem, o capitão Ted Bulks –, espero que vocês se entendam e consigam arrancar a confissão desse garotinho. Será que posso me ausentar por um tempo? – O tenente fez menção a se pronunciar, mas foi bruscamente interrompido pela voz do capitão. – Não, tenente. O senhor teve sua chance de interrogar o suspeito, e não vi sucesso em sua tentativa. Detetive Susana, a senhorita continua interrogando. Mas nem pense em cometer o erro de entrar lá sozinha de novo.
Dito isto, o capitão saiu pela porta.
– Então, alguma idéia brilhante, detetive?
Mas Susana estava perdida em pensamentos ao encarar o suspeito mais uma vez. É apenas um garoto. Bonito... Atraente, até. Como ele foi pirar desse jeito por causa de uma garota? O tenente Kevin, reparando no demasiado interesse da detetive sobre o garoto, disse em tom de crítica:
– Esse tipo de coisa acontece todos os dias. É só mais um crime passional, como qualquer outro; não há nada de especial. Por favor, não ponha tudo a perder.

David ergueu-se com normalidade, recuperou o fone de ouvidos que tinha caído e... sentiu um turbilhão de coisas percorrerem sua mente, numa velocidade incontável. Pensamentos intocados, proibidos, que quase nunca vinham à tona, suscitaram todos de uma vez, arrebatando-lhe o espírito. Até que controlou os ímpetos e passou a ouvir apenas àquilo que importava naquele instante. Uma voz interna reivindicava sossego, ordenando-o que desse meia-volta, entrasse para casa, e que fosse dormir até que obtivesse serenidade. Outra, impelia-o com toda a força na direção a que seus desejos estavam projetados. A terceira voz decretou que a segunda tinha razão, e que ele deveria procurar o seu amor. E lá se foi David, com um sorriso determinado, pela rua. Em instantes, havia chegado à casa vizinha, e tocou a campainha. Catherine atendeu a porta.
– Oi David – ela disse, com seu sorriso mais condescendente e afável; mas não havia motivos para ficar animado, aquele era o sorriso que habitualmente mostrava para todos. – Estou surpresa em te ver; afinal, já faz um bom tempo que não nos falamos.
– Não entendo sua surpresa; nunca me faltou vontade de falar com você, e sabe disso. Eu preciso conversar com você. Não se preocupe, vai ser rápido. A não ser que você deseje que minha visita dure mais tempo.
– Ah, sem problemas... Onde podemos conversar?
David pensou em dizer: “Você é quem sabe”. Depois lhe surgiu outra opção. Poderia dizer: “No lugar mais ardente que encontrarmos”. Mas por fim achou melhor dizer: “Qualquer lugar se torna ótimo quando estamos em companhia de pessoas ótimas”.
Ela sorriu e disse que seria muito bom andar pelo quarteirão enquanto conversavam.

– Então... é um assunto muito urgente?
– Digamos que eu tenha que falar coisas que durante três anos eu não pude falar. Bem, não dá para chamar isso de urgente, mas é justamente por ter demorado tanto que tudo se torna tão urgente.
Ela ia dizer algo, mas David previu que suas palavras seriam irreais e que só iriam ser ditas para encobrir as palavras que realmente queria dizer. Então se pôs à frente dela, e suavemente deslizou seu dedo indicador sobre seus lábios.
– Hoje é o meu dia de falar... – e se calou de repente. Tinha acabado de entrar em uma espécie de transe; estava diante da imagem mais bela que seus olhos podiam ver: a imagem paradoxal de Catherine Camel. Ele apreciou os seus cabelos castanho-aloirados, que desciam em correnteza, como num rio revolto e turbulento. Seu rosto era anguloso, e, delineado suavemente, transparecia elegantes formas. O sorriso – discreto, conciso e... inapreciável – dava a David a sensação de ficar mais leve que o ar, especialmente quando, no meio desse sorriso, ela fechava os olhos, e assim irradiava uma expressão sonhadora. Seus olhos, de um tom castanho levemente esverdeado, em combinação com o restante do rosto, descreviam-no qual o significado da perfeição; aqueles olhos eram imãs, que atraem e dilaceram toda a paixão que estiver em volta, e causa a David a agonia no limiar do prazer; o profundo sentimento de que sem isso não poderia viver. E para além de tudo isso, nada mais importava: ela era a quinta-essência do amor.
– Eu já disse que você é linda? – David disse, assim que conseguiu sair do seu torpor.
– Na verdade, não – ela respondeu, mordendo os lábios com apreensão. – O que está havendo? Você está tão diferente...
– É que não quero mais ficar invisível. Eu preciso lutar, porque o que mais quero na vida está fugindo ao meu controle, e eu tenho que fazer algo.
– Hum... No que posso ajudar?
– Me dando uma chance de me mostrar do jeito que sei.
– Eu nunca te neguei isso – ela disse, compreendo e, de fato, entrando na conversa.
– Tudo bem! – atalhou David, determinadamente. – Eu sei que sempre fui, em todas as ocasiões, muito inexpressivo; mas agora eu conheço um jeito de te fazer feliz. Acredite, eu posso ser a pessoa mais carinhosa desse mundo. E não vou falhar de novo. Eu te amo, Catherine!
– Eu sei. E é por isso que eu deixo você quieto, e não dou esperanças. Não quero que me odeie, eu gosto muito de você. Mas você tem seu jeito, seu modo de agir... Você nunca se mexe, você nunca faz barulho! E eu não sei o que pensar.
– É, mas isso vai mudar. Você mesma reparou nisso... – E pegou-lhe por uma mão. Ao que ela parou, David envolveu-a em um abraço terno e ao mesmo tempo voraz, que a fez sentir todo o seu sentimento. – Eu sei disso tudo, porque apesar de eu viver encarcerado na minha mente – aí o abraço terminou –, eu sou mais realista do que qualquer um. Eu só desejo que você se esforce um pouco; que me ajude a ser aquela pessoa com a qual você sonha encontrar. Porque eu posso!
– Mas eu ainda estou me perguntando... Como posso ajudá-lo nisso?
O primeiro pensamento que se instaurou na mente de David foi: “Me ajude com paciência”. A segunda resposta dizia: “Eu quero ter você. Eu quero sentir você o mais próximo possível de mim. É só deixar rolar e ver o quanto sou talentoso”. A terceira alternativa, muito mais efetiva, apenas fez a ligação entre fala e desejo:
– Me ajude, deixando-me ficar por perto. Quero que tenha tranqüilidade para saber o que estou querendo dizer, mesmo que eu pareça confuso. E se puder, não se feche tanto, pois isso faz eu me fechar também. Só assim você sentirá o maior amor do mundo!
Catherine, começando a se impressionar com o novo jeito David de ser, respondeu com sutileza:
– Eu tenho ciência do quanto você me ama... na verdade, sei que ninguém me ama tanto assim. Eu consigo sentir isso; eu sei. Mas você deve saber que...
– Só o amor não é suficiente, eu sei – suspirou David. – Sei também que o fato de estarmos afastados se deve ao meu jeito tímido; mas aqui estou, não mais tímido, tentando, do melhor jeito possível, fazer com que todas as barreiras entre nós se nulifiquem. E eu não sou tão ruim assim, sou?
– Não, não é – disse Catherine, abrindo um sorriso.
Depois disto, o silêncio caiu sobre eles. E continuaram a caminhada sem se encararem. Quando estavam prestes a alcançar o fim da rua, Catherine sugeriu que se sentassem na calçada – e assim o fizeram.
– Sabe, estou impressionada.
– Sobre o quê?
– Ah, não sei... comigo... com você... com todo esse amor. Em parte, a culpa é minha. Você merecia, nem que fosse...
– Não fale em merecimento! Nesses casos, isso soa como compaixão.
– Bom, não é exatamente isso – ela disse, olhando-o com mais atenção. – É que, pela lógica, nós deveríamos amar de volta aqueles que nos amam. Quero dizer, eu penso assim. Mas talvez eu não tenha te levado a sério, de modo que não me preocupei muito com você. E agora eu vejo que perdi algumas coisas. Um amor como esse, teria rendido frutos. O que quero dizer é: eu acho que segui para um lado; um lado bom, admito; mas com isso, deixei de ver você, que, da sua forma, me faz bem.
– Com isso, então eu posso considerar que você aceita o meu acordo?
– Não sabia que era um acordo...
– Talvez para alguém como você, a palavra “acordo” seja a mais apropriada...
– Como assim? – ela o interrompeu. – O que eu tenho que faz com que isso se torne um acordo?
– É que, segundo o meu entendimento ou... sei lá... talvez o que espero que você venha a dizer.... Bem, eu acho que você vai tentar fazer com que as coisas dêem certo para nós! E como até então você não fez isso, pois você é bastante fria comigo, eu acho que isso é um acordo devido a sua mudança de comportamento. Porque um acordo nada mais é do que ceder de um lado, e atender ao que se quer de outro.
– Mudei meu comportamento porque vi que você mudou também; mudou tão de repente que mal posso compreender. E sobre eu ser fria: não é só com você. – E aí, quase que perdia o fio da meada; vários pensamentos lhe percorreram. Nunca havia parado para pensar em si mesma, em sua identidade, eventuais defeitos ou qualidades; apenas vivia de acordo com o que achava certo, sem se ater a personalidade, pois todos possuem uma; e entrar nesses aspectos, mesmo que fossem os seus aspectos, não era coisa que apreciava. Meio incerta, voltou a se pronunciar: – Eu sou assim mesmo, não tomo a iniciativa nas coisas, e espero as pessoas chegarem até mim para que eu faça alguma coisa...
– Sabe qual é problema? – David viu a expressão desentendida dela. – Somos parecidos; nós dois somos quietos demais. Dessa forma, não conseguimos nos manter unidos. Você precisa de alguém incisivo! Mas não se preocupe, eu posso fazer isso. – Olhou-a com um olhar de cobiça e paixão.
Uma vontade sem rédeas tomou David; uma vontade de acariciá-la, de tê-la para si, uma ardente vontade de transmitir, de todas as formas possíveis e imagináveis, todo o seu colérico e letal sentimento. Essa vontade louca foi controlada por alguma outra coisa em sua mente: sua camada receosa e covarde. Mas, mesclando ambas as sensações, transformou-as em uma nova e única sensação, e esta mandava que ele a tocasse e transmitisse um amor despretensioso e gentil, na dose meticulosamente adequada.
Enfim decidido, aos poucos foi tocando-a; começou dos cabelos, deslizando seus dedos lenta e delicadamente; logo acariciava-lhe a face, o que a fez sentir um especial carinho; e tudo culminou em um longo, pesado, e desejado abraço, que durou tempo suficiente para que um pudesse pesar a carência do outro.
– Então, como vai ser de agora em diante? – interveio David, em meio às caricias.
– Bem... vamos continuar nos vendo; temos um acordo. Eu vou prestar mais atenção em você, e você vai tentar continuar próximo. E se quer saber, eu acho que pode dar certo; para isso, só precisamos gostar da companhia um do outro, e... Meu Deus, eu tenho que ir! Perdi a noção do tempo.
– E para onde você vai? – ele perguntou, se afastando um pouco.
– Eu tenho... eu tenho que fazer umas coisas... – Catherine levantou da calçada, e avançou uns passos. Ao ver o olhar inquieto de David, ela retrocedeu em sua caminhada. – Ei, a gente se vê mais tarde. Fique com a garantia que esse é um novo começo entre nós. Não se preocupe, não vai se livrar assim tão facilmente de mim.

David experimentou uma onda de intensa repugnância invadir o seu ser. Ao ter consciência de tudo o que fez – que tinha matado sua grande paixão e, com isso, matado sua própria capacidade de viver, sentiu pavor de si mesmo, sentiu-se indigno de fazer parte do mundo. Como é que ele, uma pessoa tão alheia e apática, fora capaz de cometer um crime deplorável daqueles? Ele ficou estático por um intervalo de tempo, como que para absorver a totalidade dos seus atos. De repente, exaltou-se e começou a bater na mesa; num impulso de brutalidade, virou-a e aí... sucumbiu ao terror. Sua respiração acelerou, cada ponto do seu corpo vibrou, lágrimas soluçantes lhe chegaram. Chorava, chorava como um bebê, que desprotegido perante o mundo, não sabia em que buraco se enfiar para se livrar das terríveis lembranças.
Susana Mendes entrou na sala de interrogatórios como um raio, transbordando fúria pelo olhar.
– Que tipo de monstro é você?! – gritou Susana. Não reparou na mesa revirada; nem na proximidade de David; muito menos em seu choro imbecil e em seu olhar perdido.
A resposta de David não veio em palavras. Ele se agarrou a detetive, buscando nisso um consolo quase maternal. Susana, por sua vez, oscilou entre o medo e o nojo. Essa reação a surpreendera de tal forma, que, muda e paralisada, apenas deixou o rapaz ali, a aplacar suas sensações, como se fosse o mais inofensivo dos seres.
– Deeper – ela perguntou minutos depois –, por que você fez isso? Você tinha muitas oportunidades na vida. É jovem... é...
– Você não sabe – David gritou sob o seu soluço, se desvencilhando abruptamente daquele quase abraço que formavam – o desespero que é querer uma coisa da qual é impossível se ter! Você não sabe o quanto é duro ver a pessoa que lhe dilacera a alma, fazer tudo o que você sonhou fazer com ela; mas com outra pessoa – e aí desandou em seu choro. – E você não conhece o sentimento infeliz de amar alguém que só te despreza!
Por algum misterioso motivo, a detetive Susana Mendes deixou uma lágrima de piedade rolar pelo rosto, que adquiriu uma coloração ruborizada.
– O que pensa que está fazendo, detetive? – se lançou até a sala o tenente Kevin Dutra; a arma em suas mãos apontada para David. – Isso não é uma despedida! Esse miserável...
A frase se perdeu no ar, pois David tinha acabado de se jogar contra o tenente e tomado sua arma. Foi então que todas as vozes da sua mente, de comum acordo, decidiram que ele deveria pôr um fim em sua vida. E após cerca de três segundos de hesitação, posicionou a arma contra a cabeça e disparou; um tiro sem chance de erro. David (ou apenas o resto do que dele sobrou) caiu morto, e o seu tormento teve enfim um fim.

Depois da conversa que teve com Catherine, David se sentia radiante. E ali estava, novamente sentado em frente à garagem da casa, sob a ociosidade que a alegria trouxe; fatiava uma maçã com uma pequena faca. No meio de uma mordida, aconteceu uma coisa que revirou seus sentidos de uma hora para outra; ele tinha visto o namorado de Catherine tocando a campainha da casa. E duas vozes totalmente antagônicas acentuaram-se em sua cabeça; a primeira foi uma voz já bastante habitual: uma triste voz, egocêntrica e solitária, que dizia calmamente para ele se manter na sua, pois qualquer coisa que fosse fazer, não traria nenhuma solução imediata; a segunda voz, forte e desenfreada, se inquietava torturantemente para que alguma, mesmo que drástica atitude, fosse tomada. Havia ainda uma terceira voz, a mais ponderada delas; mas esta não se manifestou. Resultado: a primeira voz não conseguiu cessar aquele grito imperativo da segunda.
A atmosfera a sua volta ficou absolutamente caótica, e David não mais controlava o que queria fazer; tudo sucedeu depressa. Correu raivosamente e atingiu o namorado de Catherine com um soco potente, e ele tombou sem reação. Aproveitando-se da faca que tinha em mãos, manuseou-a sem muita perícia na direção do rapaz, que a essa altura já estava quase desacordado, ainda devido ao soco. Foi então que Catherine apareceu á porta:
– Que é isso?! – o desespero retratado em sua expressão.
Sem parar para esperar algo ocorrer, David pulou para cima dela, e ambos foram ao chão. Nada daquilo fazia sentido para Catherine, e, assustada, somente gritava frases indistintas. Isso, porém, serviu apenas para que o seu agressor se enfurecesse ainda mais; e ela se viu face a face com a fúria que escapava por todos os lados.
– E agora, que importância eu tenho para você?
– David, o que está havendo? O que eu fiz? Vá embora, vá embora!
Mas aquele apelo foi por água abaixo. David puxou a faca e investiu contra Catherine, que ainda tentou se defender, mas foi em vão; ela não pôde conter sua força. Ele tentou forçar o gume da faca no pescoço da vítima, e não conseguindo, levantou a faca no ar e, violentamente, desferiu novo golpe, e desta vez cravou-lhe a ponta da faca bem no meio do seu pescoço. Catherine tentou gritar, e nenhuma voz foi emitida. Então seu sangue começou a transbordar, e enquanto estava ali, meio viva e meio morta, David tirou-lhe a roupa e fez a coisa mais horrenda e grotesca que alguém poderia fazer...

Nós, em nossos altos e baixos, chegamos a lugares que não queremos, e usamos de artimanhas que não são as nossas. Mas o que faz as mudanças radicais e os desejos incontroláveis brotarem? Podemos chamar de falha generalizada da índole.
Só temos que atentar para um detalhe: isso pode acontecer com qualquer pessoa.